Vistoria cautelar de vizinhança

 

Antes, saiba mais sobre Vistoria Cautelar de Vizinhança

Autorizar ou não a vistoria da construtora em seu imóvel?

 

Há uma grande deturpação de um conceito, em que a maioria das pessoas crê, de que a vistoria cautelar de vizinhança só beneficia o construtor. Por trabalhar na área, tenho presenciado que muitos moradores negam a entrada dos vistoriadores sem motivo justificável. Alguns negam por receio quanto à perda de algum direito; outros, quanto à sua segurança. Perdem, assim, uma valiosa oportunidade, em vez de buscarem informações que lhes resguardem.

Neste artigo, buscarei esclarecer a função e a importância da vistoria cautelar de vizinhança de maneira neutra, a fim de mostrar seus prós e contras, para que sejam tomadas decisões conscientes e racionais.

Funções da Vistoria Cautelar

A real função da vistoria de vizinhança é de medida cautelar, preventiva, para avaliação da solidez e do estado de conservação das edificações lindeiras a uma determinada obra ou reforma. Portanto, serve para registro fotográfico da situação do imóvel naquela data (antes do início da obra). Resguarda, assim, o construtor de eventuais danos que possam ocorrer após o início da construção, garantindo que são posteriores a ela. Também garante ciência ao proprietário do estado de seu imóvel, para que não reclame de algo indevido.

Nesse aspecto, aparenta realmente apenas favorecer o construtor. Porém, não. Isso porque esse item é um dos requisitos obrigatórios das seguradoras e incorporadoras, e os moradores que não autorizarem a vistoria, a princípio, estariam ausentes do seguro, dificultando a comprovação de que os danos foram gerados por influência da obra.

Muitos desconhecem, mas a vistoria cautelar de vizinhança é uma obrigação do construtor segundo a NBR 12722 (ABNT, 1992) em seu item 4.1.10 Vistoria preliminar, subitem 4.1.10.1 (grifo nosso):

Toda vez que for necessário resguardar interesses às propriedades vizinhas à obra (ou ao logradouro público) a ser executada, seja em virtude do tipo das fundações a executar, das escavações, aterros, sistemas de escoramento e estabilização, rebaixamento de lençol d’água, serviços provisórios ou definitivos a realizar, deve ser feita por profissional especializado habilitado uma vistoria […].

            E reforçado pela NBR 15575-1 (ABNT, 2013), item 6.2.2 Entorno (grifo nosso):

Os projetos devem ainda prever as interações entre construções próximas, considerando-se convenientemente as eventuais sobreposições de bulbos de pressão, efeitos de grupo de estacas, rebaixamento do lençol freático e desconfinamento do solo em função do corte do terreno. Tais fenômenos também não podem prejudicar a segurança e a funcionalidade da obra, bem como de edificações vizinhas. O desempenho da edificação está intimamente associado a todos os projetos de implantação e ao desempenho das fundações, devendo ser atendidas as disposições das normas aplicáveis, particularmente das […] ABNT NBR 12722.

            Portanto, outro motivo para que a construtora contrate um laudo de vistoria cautelar de vizinhança é a obrigatoriedade normativa e, consequentemente, legal.

Desse modo, no caso de existência de alguma obra na vizinhança de seu imóvel e da não realização da vistoria neste pelo construtor, é conveniente que notifique a construtora solicitando a vistoria ou contrate por conta própria um laudo de vistoria cautelar. É importante restar clara a necessidade da contratação de um profissional habilitado, com experiência comprovada na área, para a segura constatação do estado de conservação das edificações e para que sejam resguardados o vizinho e o construtor na ocorrência de algum possível dano por decorrência de vibrações, movimentação, adensamento do solo, etc., ou até mesmo se interditem imóveis que possuam indícios de ruína.

Outra importante informação é a de que o laudo de vistoria cautelar de vizinhança deve estar disponível a todos os proprietários dos imóveis vizinhos, conforme item 4.1.10.2: “Todos os documentos referentes à vistoria devem ser visados pelos interessados, devendo haver cópia à disposição deles“. Na prática, adota-se o registro do laudo em cartório ou em meios eletrônicos, em que se resguarde a data da sua elaboração e se permita o acesso a todos. Em alguns casos, a critério do construtor, pode-se entregar uma via do laudo aos proprietários como forma de promover um relacionamento saudável e tranquilo. Caso tenha autorizado a vistoria e não recebeu o laudo ou o número do registro em cartório ou link do laudo eletrônico, poderá solicitá-lo(s) com respaldo legal.

O fluxograma abaixo demonstra como se desdobra um processo de vistoria cautelar de vizinhança.

Fluxograma 1: Processo de elaboração de vistoria cautelar de vizinhança.

Avaliação de Influência

A definição dos imóveis a serem vistoriados é feita pela avaliação de impacto de vizinhança ou do raio de influência das ações da obra. A princípio, não existe literatura ou normatização específica para definição de tal distância. Por isso, o ideal é ser realizado por engenheiros civis ou geotécnicos com experiência na área. Na prática, acabam definindo-se raios estimados em todo o perímetro da obra, conforme linha vermelha na figura 1, ou delimitações de quadras, conforme linha azul.

Figura 1: Comparação da demarcação do raio de influência com a delimitação da quadra. Fonte: Google Earth (2016).

Entretanto, tais medidas podem não ser suficientemente seguras, como pode-se observar na figura 2, em que o impacto real da obra chegou a 200 m de distância de seu perímetro.

Portanto, o mais seguro é a realização de uma avaliação de influência, principalmente em grandes edificações, levando em consideração todas as variáveis possíveis, tais como:

  1. Desconfinamento do solo;
  2. Rebaixamento de lençol freático;
  3. Sobreposição de bulbos de pressão;
  4. Efeito de grupo de estacas;
  5. Vibrações do solo;
  6. Danos mecânicos, por tirantes, demolições, mudança de direção dos ventos, etc.
Figura 2: Raio de influência real na vizinhança. Fonte: Google Earth (2017).

Contratação da Vistoria

Recomenda-se que sejam contratados engenheiros civis ou arquitetos habilitados, especialistas em perícias de engenharia, patologias ou equivalente, com experiência na área, para execução das vistorias e elaboração do laudo. Não existe norma ABNT para esse serviço, mas o escopo das vistorias pode ser negociado entre as partes ou podem-se seguir as recomendações do IBAPE-SP (2013), que elenca os requisitos mínimos constantes no laudo, que, ainda não sejam obrigatórios legalmente, podem ser usados como exigência de contrato. Abaixo seguem níveis de escopo recomendados pelo IBAPE-SP (2013, p. 6, grifo nosso):

NÍVEL 1: O nível 1 é aplicável às vistorias de grandes canteiros quando o número de imóveis existentes na área de influência da obra seja muito elevado. Nesses casos, podem ser admitidas apenas as caracterizações externas com indicação de eventuais sinais de fragilidade e risco.

NÍVEL 2: O nível 2 deve contemplar uma descrição básica e objetiva do objeto vistoriado, das anomalias e falhas constatadas e uma ilustração fotográfica suficiente para caracterizar: • Tipologia; • Padrão Construtivo; • Estado de Conservação; • Anomalias e falhas existentes. O raio de vistoria pode ser limitado à área de influência do canteiro de obra.

NÍVEL 3: O nível 3 deve contemplar todos os elementos relacionados no Nível 2 e também apresentar uma completa caracterização de revestimentos de piso, parede e forro, esquadrias e elementos aderidos que sejam significativos, além de todos os elementos construtivos que possam ser relevantes para uma completa descrição do imóvel. O raio de vistoria está relacionado à influência da obra, levando em consideração a expertise do profissional, sendo considerado inclusive os o fluxo de veículos pesados e número de subsolos da obra a ser executada.

 

Referências Bibliográficas

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 12722: Discriminação de Serviços para a Construção Civil. Rio de Janeiro, 1992.

______. NBR 15575-1: Edificações habitacionais: desempenho – Parte 1: Requisitos gerais. Rio de Janeiro, 1992.

INSTITUTO BRASILEIRO DE AVALIAÇÕES E PERÍCIAS DE ENGENHARIA SP (IBAPE-SP). Norma de Vistoria de Vizinhança: procedimentos básicos executivos. São Paulo, 2013.

Por Eng.º Marcus Vinícius Fernandes Grossi

Anterior
Fachadas autolimpantes
Próximo
Umidade em edificações – Nem tudo é problema de impermeabilização
Abrir Chat
Olá, precisa de ajuda?